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Hidrogênio limpo: um novo vetor na transição energética para o Brasil, por Felipe Kury

Redação TN Petróleo/Assessoria
26/01/2023 11:26
Hidrogênio limpo: um novo vetor na transição energética para o Brasil, por Felipe Kury Imagem: Divulgação Visualizações: 319

O Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2) foi instituído em junho de 2022, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com o objetivo de estabelecer as principais diretrizes de estrutura e governança do mercado de hidrogênio no Brasil. De fato, o país tem potencial para ter uma posição de destaque importante neste mercado, já que sua matriz elétrica é, em grande parte, proveniente de fontes renováveis que podem ser utilizadas para produção de hidrogênio de baixo teor de carbono, o chamado hidrogênio limpo.

Cabe esclarecer que o hidrogênio limpo se refere tanto ao hidrogênio verde quanto ao hidrogênio azul. No azul, as emissões de metano são extremamente baixas e com altas taxas de captura de carbono, produzido por gaseificação (ou reforma de vapor), utilizando, geralmente, o metano como fonte primária de energia. Já o verde, é produzido através da eletrólise da água e com fontes primárias renováveis de energia.

Espera-se que o hidrogênio limpo desempenhe um papel importante na descarbonização de setores tipicamente difíceis de reduzir emissões, tais como indústrias pesadas e transportes – principalmente os de longas distâncias. No entanto, importantes desafios precisam ser endereçados. A cadeia de valor do hidrogênio é complexa e intensiva em capital. Muitos segmentos ainda não estão se desenvolvendo no mesmo ritmo, ou seja, existe a necessidade de maior integração e eficiência na cadeia de valor. Acompanhar as novas tecnologias e regulamentações em constante evolução pode ser um enorme desafio.

O debate global sobre a mudança climática ampliou o apelo para limitar o aquecimento global a 1,5°C e alcançar o “net-zero emissions” até 2050. Países ricos em hidrocarbonetos podem transformar esse desafio em uma oportunidade incrível, aproveitando seus recursos de hidrocarbonetos, localizações geográficas, acesso à energia renovável abundante e infraestrutura altamente eficiente, principalmente para desenvolver e comercializar hidrogênio limpo.

Assim sendo, países com abundância de energia renovável de baixo custo podem se tornar importantes produtores de hidrogênio limpo, com consequências geoeconômicas e geopolíticas significativas. De acordo com um estudo da McKinsey, a demanda total de hidrogênio pode atingir de 600 a 660 milhões de toneladas até 2050, podendo diminuir em mais de 20% das emissões globais e se tornando um elemento transformacional na transição energética.

Tarefa nada simples. Concretizar essa oportunidade exigirá uma coordenação em âmbito global para desenvolver cadeias de valor de hidrogênio limpo. Os países que se anteciparem, colocando foco em ações decisivas nessas áreas, devem usufruir de uma posição privilegiada e desempenhar um papel de liderança nos mercados globais de energia.  

E o Brasil? Segundo projeções da McKinsey, o mercado de hidrogênio verde no país tem potencial de atingir a marca de US$ 20 bilhões até 2040. Porém, o recém anunciado PNH2 precisaria definir melhor os objetivos e incentivos com foco em ampliar a produção de hidrogênio de baixo carbono, em especial o hidrogênio verde.

Sem metas claras e foco, o Brasil pode ficar em desvantagem em relação a outros países, tais como Alemanha, França, Japão, EUA, Coreia do Sul, Índia, entre vários outros, onde já existem políticas públicas bem desenvolvidas, com definições de metas e subsídios para produção de hidrogênio limpo.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o uso do hidrogênio como vetor energético apresenta ainda significativos desafios tecnológicos e de mercado ao longo de toda a sua cadeia energética – produção, transporte, armazenamento e consumo. Este fato impõe a necessidade de um olhar mais aprofundado e amplo em torno do desenvolvimento do mercado e da indústria.

Consequentemente, a orientação estratégica do atual PNH2 tem como objetivo desenvolver um mercado de hidrogênio no Brasil que visa a harmonia com as demais fontes de nossa matriz energética, principalmente com foco em viabilizar o gás do pré-sal, seja por meio da produção de hidrogênio cinza (similar ao hidrogênio azul, mas sem captura de carbono), ou do hidrogênio azul (com a captura de carbono). Entretanto, esta estratégia parece ir na contramão do resto do mundo, que visa acelerar a produção hidrogênio verde e, portanto, com maior atratividade para novos investimentos para o setor.

Outra questão de extrema importância para o Brasil é a produção de fertilizantes nitrogenados. Aqui cabe destacar que o principal processo de produção de amônia (NH3), intermediário importante para a produção de fertilizantes nitrogenados é, usualmente, obtido a partir do ar e hidrogênio, podendo ser este último oriundo de unidades de reforma à vapor do metano. Desta forma, a produção de hidrogênio limpo em quantidades adequadas pode viabilizar a autossuficiência do Brasil na produção de fertilizantes e, de fato, reduzir nossa dependência externa, já que o país importa quase 85% de sua necessidade para o setor agrícola.

Não há dúvidas de que o mercado de hidrogênio representa uma oportunidade importante para o Brasil e para o mundo, principalmente considerando o momento em que vários países buscam maior segurança energética e a diminuição de emissões. Entretanto, para materializar esta oportunidade, é necessário ampliar a oferta com metas de produção e incentivos associados às diferentes cores de hidrogênio, estimular a demanda local, desenvolver novas tecnologias de transporte e facilitar a integração dos diversos elos da cadeia de valor.

O Brasil poderá viabilizar a produção de hidrogênio limpo como um novo vetor transformacional na transição energética, mas precisa acelerar o desenvolvimento de um ambiente de negócios favorável, com políticas públicas e regulação adequada ao objetivo de atrair novos investimentos e ampliar o seu papel de destaque no mercado de hidrogênio global.

Sobre o autor: Felipe Kury é ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e consultor independente.

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