Redação/Broadcast
O governo corre contra o tempo para construir ferramentas que assegurem o abastecimento de combustíveis ao País após a privatização de metade da capacidade de refino da Petrobras. Hoje, o fornecimento é garantido pela estatal, mas deve deixar de ser no fim deste ano, com a primeira venda de refinaria, a Rlam, na Bahia. A partir daí, a responsabilidade recai sobre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que já avalia riscos na oferta do gás liquefeito de petróleo (GLP), popularmente conhecido como gás de cozinha.
"O GLP é uma questão e tem um papel fundamental para a maior parte das famílias no País. É um produto que a gente sabe que vai ter que olhar com muito mais cautela", disse a superintendente adjunta de Fiscalização do Abastecimento da ANP, Patrícia Huguenin, em evento virtual promovido pela FGV Energia. "O que a gente tem hoje é a coordenação pela Petrobras e a agência não vai fazer coordenação. A ANP não tem instrumento para fazer coordenação operacional, para mandar um agente importar ou outro produzir", acrescentou ela, referindo-se ao cenário de todo mercado combustíveis após as privatizações.
Segundo especialistas, a principal preocupação é exatamente quanto à ausência de um coordenador, o que poderia causar um vácuo no abastecimento. Em alguns locais, haverá uma estrutura nova com importadores, refinadores e distribuidores privados. Não há, atualmente, um ente para avaliar uma possível escassez de um produto e um planejador dos investimentos necessários no médio prazo, o que pode resultar em gargalos. A superintendente da ANP diz que os instrumentos do órgão regulador são as informações que recebe do agente e que é possível acelerar o fluxo desses dados.
No caso do GLP, existem questionamentos, por exemplo, quanto ao acesso à infraestrutura logística, que está nas mãos da Petrobras e, no futuro, deve ser repassada em grande parte a terceiros, sobretudo a quem comprar a Rnest, em Pernambuco, dona do terminal de Suape, por onde entra a maioria do gás importado pela estatal.
Além disso, não é possível antecipar se os futuros proprietários das refinarias vão querer produzir todo volume de GLP consumido no País. Se não, vai ser preciso aumentar a importação. Mas, como a infraestrutura atual é limitada, isso só vai acontecer se alguém colocar dinheiro na construção de novos terminais portuários, mais caros do que os usados para armazenar combustíveis líquidos, como óleo diesel e gasolina.
Esse seria um negócio especialmente interessante para as distribuidoras de GLP, que fazem a ponte entre produtores e varejo. No entanto, a visão de Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, representante desse grupo de empresas, é que o investimento é alto, especialmente no atual período de crise. Ele diz também que o governo segue limitando usos do GLP, como em saunas, piscinas e motores a combustão, o que "acaba desanimando potenciais importadores de grandes cargas".
Hoje, apenas as distribuidoras Copagaz, Ultragaz e Supergasbras importam pequenos volumes de GLP da Bolívia e Argentina, e segundo Bandeira de Mello, "ninguém, no meio das distribuidoras, está pensando em investir no curto prazo".
A Petrobras responde por praticamente a totalidade da importação e produz 70% do consumo interno. Mas essa proporção deve mudar se a empresa concluir a venda de oito refinarias - Refap (RS), Repar (PR), Rlam (BA), Rnest (PE), Reman (MA), Six (PR) e Lubnor (CE). Juntas, elas fabricam 39% do GLP nacional, segundo cálculo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Por meio de sua assessoria de imprensa, a estatal afirma que a venda de suas refinarias atende acordo firmado com o Cade para estimular a concorrência no mercado de derivados de petróleo e que, com a entrada de novos atores, "a ANP deverá contar com recursos humanos e materiais suficientes para cumprir com essa importante função (de garantir o abastecimento de derivados de petróleo)". Diz também que participa de fóruns de discussão do governo sobre as consequências da abertura do mercado de combustíveis.
A ANP formou um grupo de trabalho para analisar o que vai acontecer após a privatização das refinarias e da infraestrutura associada e, nas próximas semanas, deve tomar as primeiras decisões a partir do resultado das análises. Em seguida, possíveis propostas regulatórias e de adaptações na atuação da agência e de outros agentes devem ser encaminhadas ao MME.
Para Marcelo Gauto, consultor em Petróleo e Gás, o ideal é que as mudanças sejam definidas antes da venda das refinarias. "A regulação precisa definir de forma clara como serão as regras do jogo neste novo mercado para que os players e a própria Petrobras se preparem antecipadamente", avalia.
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