Reuters, 22/07/2022
Representantes dos produtores de etanol e de biodiesel, principais emissores dos Créditos de Descarbonização (CBios), defendem que a fiscalização dos certificados comprados pela distribuidoras de combustíveis passe a ser feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A avaliação de membros do setor ouvidos pela Reuters é de que a retirada dessa função da alçada da agência reguladora ANP poderia ajudar a investigar e coibir possíveis infrações nas negociações, como o Ministério de Minas e Energia tem alegado.
A escalada dos preços dos certificados e a recomendação do Comitê RenovaBio, na sexta-feira (15/7), para que o prazo para o cumprimento das metas das distribuidoras de 2022 seja prorrogado para 2023 ampliaram os debates sobre o mercado de CBios.
Os preços dos CBios atingiram patamares recordes neste ano, chegando a ultrapassar R$ 200. Isso tem impacto direto sobre os combustíveis, já que os custos de aquisição desses certificados são repassados pelas distribuidoras aos consumidores finais. Após o adiamento das metas, no entanto, as cotações entraram em queda.
"Nós já solicitamos ao Ministério de Minas e Energia e também ao Ministério da Economia para que a CVM pudesse acompanhar. Esse é o nosso principal pleito", disse à Reuters o presidente da União das Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi.
Nos bastidores do mercado, uma das hipóteses que têm sido investigadas é a de que emissores estariam deixando de colocar certificados à venda, o que reduziria a oferta diante da demanda e, consequentemente, elevaria os preços. Os produtores, porém, negam que isso ocorra, citando os números da B3. Segundo os dados de terça-feira, existem atualmente cerca de 1,9 milhão de CBios de posse dos produtores.
Além disso, somando os certificados em estoque pela parte obrigada e os já aposentados (liquidados), há 20,6 milhões de CBios de posse das distribuidoras, o equivalente a 68,4% da meta fixada para 2022. "É tudo registrado na B3. Então, temos absoluto conforto com qualquer tipo de apuração e convicção de que o produtor deu ampla liquidez aos títulos", acrescentou Gussi.
O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, faz avaliação semelhante. Para ele, o acompanhamento do mercado de CBios pela CVM em vez da ANP faz mais sentido, por se tratarem de ativos financeiros.
"Eu vejo a fiscalização dos CBios como algo que está fora do arcabouço de ferramentas que a ANP tem. Tem que ser alguém da área financeira para fazer isso. E teria bem menos conflito de interesses porque você não haveria nem as distribuidoras e nem as produtoras atuando", disse Nassar.
Em nota, o Ministério da Economia disse à Reuters que intermediou uma consulta à CVM, a pedido do MME, mas pelo fato dos Cbios não serem valores mobiliários, a comissão afirmou que sua regulação estava fora de sua competência. O Ministério de Minas e Energia não respondeu de imeadiato a um pedido de comentários.
Apuração no Cade
Em 19 de abril, o Ministério de Minas e Energia pediu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que investigasse possíveis infrações econômicas nas negociações dos CBios. À Reuters, o órgão antitruste informou que a apuração pela superintendência-geral continua em andamento, mas que não poderia fornecer nenhum detalhe porque ocorre sob sigilo.
"Em qualquer apuração que esteja em fase de inquérito, o Cade pode, ao final de sua análise, instaurar um processo administrativo ou arquivar o caso. Não há prazo para a investigação ser concluída", disse o Cade, em nota.
Os produtores veem a recomendação do Comitê RenovaBio pela prorrogação dos prazos para as distribuidoras mais como uma tentativa de frear os preços de forma mais imediata do que uma medida efetiva. Para o presidente da Unica, o adiamento, se concretizado, seria ilegal. "A lei do RenovaBio é muito clara no sentido de que as metas são anuais. A única permissão que a lei dá é que 15% da meta seja levada para o ano subsequente".
Gussi diz, ainda, que o anúncio do governo transmite uma mensagem ruim ao mercado, tanto do ponto de vista de segurança jurídica quanto ambiental, uma vez que o principal objetivo das metas de aquisição dos CBios pelas distribuidoras é a compensação das emissões de gás carbônico na atmosfera a partir dos combustíveis fósseis. "Isso traz todo o risco de mudar uma regra do jogo no meio do jogo. É um sinal que dificulta o ambiente de previsibilidade que a gente precisa tanto ter no Brasil", disse.
André Nassar, por outro lado, avalia que não é possível afirmar, por enquanto, se a prorrogação seria ilegal, mas que ela só resolveria o problema da escalada dos preços no curto prazo. "O Ministério de Minas e Energia acredita que tem algum tipo de especulação no mercado. Mas não acho que isso tem a ver com a meta em si e, sim, com a questão da fiscalização ou da norma. Alterar a meta não vai mudar um comportamento errado no mercado. Se está havendo isso, tem que investigar", disse Nassar.
Para o presidente da Abiove, a recomendação do Comitê está mais relacionada ao ano eleitoral, sendo mais uma tentativa do governo de baixar os preços dos combustíveis nos postos. Segundo dados da B3, após o anúncio da recomendação do Comitê, o preço médio do CBio recuou 12,2%, passando de R$ 175,25 reais na sexta-feira (15/7) para 153,94 na segunda-feira (18/7).
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