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O papel dos biocombustíveis na transição energética, por Carlos Corrêa

Redação TN Petróleo/Assessoria
02/02/2024 15:41
O papel dos biocombustíveis na transição energética, por Carlos Corrêa Imagem: Divulgação Visualizações: 1786 (0) (0) (0) (0)

Parte I - O que é biomassa? - Os biocombustíveis já foram, por milhares de anos, as principais fontes de geração de energia para as civilizações. A lenha e os resíduos agrícolas eram queimados para se aquecer ambientes e preparar alimentos, além de alimentar as indústrias, como na produção de vidro e cerâmica, por exemplo. Apenas há poucos séculos, novas fontes de energia começaram a ser utilizadas. Durante a Primeira Revolução Industrial, iniciada nos anos 1760, o carvão mineral passou a ser a principal fonte de energia, viabilizando a criação de grandes ferrovias e movendo grandes navios, além de máquinas a vapor que alavancaram o crescimento da indústria, tendo o setor têxtil como seu carro-chefe.  A partir do início do século XX, a Segunda Revolução Industrial chegou com o petróleo como sua principal fonte de geração de energia trazendo a produção do aço e a indústria petroquímica como duas de suas principais forças.

Desde então, o petróleo foi se consolidando e se tornou a principal fonte mundial de geração de energia – deslocando o carvão, além de produzir derivados que estruturaram a economia do século XX: desde combustíveis para o setor de transportes e para a geração de energia, até a fabricação de produtos químicos e plásticos que passaram a ser fundamentais para a economia e o para desenvolvimento tecnológico que se seguiria. Essa posição de liderança do petróleo se manteve incontestável por 50 anos até sofrer seu primeiro abalo com o embargo comandado pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que provocou grandes aumentos nos preços do barril e gerou uma crise global despertando o interesse pela busca de fontes alternativas para geração de energia. Essa crise foi sucedida por outras, nos anos que se seguiram, resultando em grandes flutuações no preço do óleo e especulações sobre sua escassez que continuaram a estimular a busca por fontes alternativas de combustível.

Mesmo a partir do início dos anos 2000, com a reversão na tendência de crescimento nos preços do petróleo, e da diminuição das especulações sobre sua escassez, as buscas por fontes alternativas para geração de energia e produção de combustíveis continuaram. A partir de então, fortemente estimuladas por pressões sociais e regulatórias para a diminuição da carga de emissão de carbono na atmosfera. Diversos desenvolvimentos inovadores indicaram as fontes eólicas e a solar fotovoltaica como potencial para cumprir esse objetivo e reduzir a carga de emissão de CO2 na geração de energia elétrica. No entanto, soluções alternativas para a movimentação de veículos automotores, parecem apresentar desafios maiores.

Os carros elétricos povoam nosso imaginário desde o final do século XIX, com a promessa de que eles seriam “movidos à água” que, até então, ainda era tida como abundante e de baixo custo – afirmações que, nos dias de hoje, podem ser questionadas. Naquela época sua tecnologia foi superada pela tecnologia dos motores a combustão e seu desenvolvimento foi adormecido. Atualmente, entretanto, os cenários de mudança climática somados a novos desenvolvimentos tecnológicos, voltam a trazer os veículos elétricos movidos a bateria para um lugar de destaque quando se trata de transição energética para veículos automotores. Mas essa não é a única alternativa. Veículos movidos a biocombustíveis se apresentam como alternativas aos veículos elétricos com diversos tipos de biocombustíveis para diversas finalidades: bioetanol (etanol produzido a partir de fontes renováveis) para veículos pequenos; biodiesel para veículos de carga e transportes coletivos; biobunker para movimentação de navios e o SAF (do inglês Suistanable Aviation Fuel) para uso na aviação. Além do biogás, do biometano e do, já famoso, hidrogênio verde, tidos como combustíveis nobres para diversos tipos de aplicação. Uma grande variedade de biocombustíveis, para uma grande variedade de aplicações. Todos, oriundos de fontes renováveis, sendo que muitos de uma fonte renovável que chamamos de biomassa.

E o que é biomassa???

Biomassa é toda matéria orgânica renovável, de origem vegetal ou animal, que pode ser usada com a finalidade de se produzir energia. No início desse artigo foi mencionado que lenha e resíduos agrícolas eram queimados para se aquecer ambientes, fazer comida e movimentar máquinas industriais. Pois é: resíduos florestais como a lenha e resíduos agrícolas são tipos de biomassa. Eles compõem uma categoria de biomassa chamada de biomassa agroflorestal residual que vem sendo estudada como uma fonte capaz de enfrentar vários dos desafios que se apresentam para a transição energética que estamos vivendo. E podem ser usadas tanto na geração de energia para abastecimento do campo e das cidades (em complemento ao uso de fontes eólicas e solares), quanto na produção dos biocombustíveis veiculares que já citamos. E, o Brasil, com sua enorme biodiversidade tem tudo para levar a biomassa agroflorestal residual a um lugar de destaque no contexto da transição energética. Mas para isso alguns desafios precisam ser enfrentados.

Talvez o primeiro desafio a ser vencido seja o de levar ao conhecimento público o que é a biomassa agroflorestal e qual sua importância para a transição energética. Em um país recordista na produção de carros flex – que podem consumir tanto bioetanol quanto gasolina, e que detém tecnologia para converter cana-de-açúcar (e, mais recentemente milho) em bioetanol, a maioria dos condutores ainda prefere abastecer com gasolina. Em 2023, o etanol correspondeu a 46% dos combustíveis líquidos consumidos para veículos leves. E nesses cálculos estão incluídos tanto o etanol hidratado, usado diretamente, quanto o etanol anidro, misturado à gasolina. Ou seja: a escolha dos consumidores por gasolina na hora de decidir com o que abastecer, foi ainda maior.

Possivelmente um reflexo do hábito de se consumir gasolina ou ainda da comunicação que a favorece. Por exemplo: os postos de combustível ainda exibem placas dizendo que só vale a pena abastecer com etanol se seu preço for abaixo de 70% do preço da gasolina – reflexo de uma relação de desempenho entre os dois combustíveis que pode ter sido verdadeira nos anos 1970, mas que não corresponde mais a realidade. Outro exemplo: a agência que regula o mercado de combustíveis ainda se chama Agência Nacional do Petróleo, quando já deveria se chamar Agência Nacional dos Combustíveis – um nome mais isento na relação gasolina-etanol. Além disso, a principal inovação divulgada, repetidamente, pelas mídias abertas é o carro elétrico movido a bateria, como se fosse a única alternativa para a mobilidade urbana mesmo em um país como o nosso, abundante em fontes renováveis e deficiente em infraestrutura de distribuição elétrica.

Ainda existe muita desinformação ou informações truncadas sobre o que é o biocombustível e quase nenhuma informação sobre o que é biomassa. É bem provável que poucas pessoas fora das comunidades ligadas à bioeconomia, saibam o que essas palavras significam.

Serão necessárias campanhas de informação sobre a importância dos biocombustíveis para o futuro do país, do planeta e de suas vidas destacando as biomassas agroflorestais residuais como uma de suas principais fontes de matéria-prima. Será muito difícil conduzir uma transição onde a biomassa agroflorestal apareça como uma importante fonte alternativa, sem apoio da sociedade. E, dificilmente a sociedade apoiará desenvolvimentos sobre os quais não sabe do que se trata.

No Brasil, a cada renovação de safra ao longo de quase 60 milhões de hectares de terras dedicadas ao plantio, se gera biomassa residual agrícola. A cada folha ou galho seco que cai, ao longo de mais de 550 milhões de hectares de florestas nativas, se gera biomassa residual florestal. São fontes renováveis capazes de se retroalimentar continuamente, e que podem suprir uma grande parte da demanda global por combustíveis. Claramente, toda essa diversidade espalhada por mais de 850 milhões de hectares apresenta enormes desafios logísticos que precisam ser enfrentados. Mas também trazem oportunidades gigantescas que podem levar o país a exercer um papel de liderança global no crescimento do uso de biocombustíveis.

Sobre o autor: Carlos Correa é sócio da BrainMarket

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