Redação TN Petróleo/Assessoria
O Brasil é o maior exemplo mundial de substituição de combustíveis fósseis por renováveis. Essa condição faz de nosso País protagonista como exemplo de políticas de descarbonização ao mesmo tempo em que enseja fundamental questionamento sobre qual será nossa posição em um futuro em que os paradigmas de mobilidade estão passando por uma revolução.
Para construir propostas para o futuro é importante antes entender o passado, revisitar a trajetória de construção desse projeto exitoso, analisando no processo suas virtudes e falhas.
O debate é relevante para o País à medida que dele depende não só o mencionado protagonismo ambiental, que pode ser ainda mais destacado, mas também um setor que emprega milhões de pessoas e tem um vetor de desenvolvimento sustentável, sobretudo no interior, em consonância com a necessidade de crescimento do Brasil.
Mais que isso, em um momento em que o mundo está redefinindo seus paradigmas de consumo e produção de energia, em uma clara orientação para as energias renováveis, é fundamental que o Brasil saiba optar pelo caminho que seja mais compatível às características e potenciais do País.
História
A cultura da cana-de-açúcar se confunde com a própria história do Brasil e não é surpresa que o álcool combustível já era utilizado nos anos 1920, quando um carburante denominado USGA, constituído por 80% de etanol e 20% de éter, começa a ser produzido pela Usina de Serra Grande, em Alagoas. Em 20 de fevereiro de 1931, foi instituído o Decreto nº 19.717 que tornava obrigatória a mistura de, no mínimo, 5% de etanol à gasolina importada, com a finalidade de incentivar a utilização do álcool como combustível.
Na década de 1970 aconteceu o primeiro choque do petróleo. O preço médio anual do barril, US$2.96 em 1970 alcança os US$12,52, comprometendo a balança comercial Brasileira em uma época em que ainda não se falava em segurança energética. O Governo Brasileiro reagiu, com a criação do Programa Nacional do Álcool - Proálcool em 14 de novembro de 1975 pelo decreto n° 76.593. O objetivo era de estimular a produção do álcool, incentivando a expansão da oferta, tanto através da modernização e instalação de novas destilarias, quanto do aumento da produção agrícola, de forma a atender as necessidades de uma nova política de combustíveis e reduzir as importações de petróleo.
Na fase inicial do Proálcool, entre 1975 e 1979, o direcionamento era voltado à produção de etanol anidro para mistura com a gasolina, em proporções entre 10% e 20%. A produção de álcool cresceu de 600 milhões de litros na safra 1975/1976 para 3,4 bilhões de litros na safra 1979/1980.
O lançamento do primeiro carro movido exclusivamente a álcool, em 1979, deslancha a segunda fase do Programa, de consolidação. Ao mesmo tempo, acontecia o segundo choque do petróleo, quando as importações chegaram a representar 46% da pauta do País.
O Governo Federal criou o Conselho Nacional do Álcool -- CNAL e a Comissão Executiva Nacional do Álcool -- CENAL para acelerar o Programa. A produção chegou a 12,3 bilhões de litros na safra 1986/1987. Na mesma direção, a proporção de carros a álcool passou de 0,46% em 1979 para 26,8% em 1980 e 76% em 1986 do total produzido de automóveis de ciclo Otto no Brasil.
Um terceiro momento do Proálcool é caracterizado nos dez anos entre 1986 e 1995, dessa vez a estagnação é a característica. A partir de 1986 os preços internacionais do barril de petróleo descem do patamar de US$30.00 para níveis entre US$14.00 e US$20.00. O momento coincide com a redução da oferta de recursos do Governo para subsidiar a expansão de programas alternativos de energia.
Por outro lado, os preços de etanol -- controlados pelo governo -- continuavam atrativos e a participação de carros movidos exclusivamente a álcool, que tinham tratamento tributário diferenciado, superava os 95% em 1986.
A consequência da combinação de tais fatos foi a crise de abastecimento de 1989/1990, tema de muita controvérsia no setor. Apesar de ter tido curta duração, abalou a credibilidade no Proálcool, acarretando desinteresse do consumidor, quer pelo combustível quer pelos veículos. Nos anos 1990, a indústria automobilística voltou-se para a produção de modelos padronizados mundialmente, foram liberadas as importações de veículos e começou a política de incentivos de carros de mil cilindradas a gasolina.
Entre 1990 e 1995, uma nova fase se apresenta. O setor sucroenergético experimentou uma mudança significativa, a desregulamentação. O cenário em que investimentos, produção, comercialização e preços eram regulados pelo governo deixou de existir. Como toda revolução, deixou traumas, mas o resultado foi positivo, com expansão da produção de açúcar e atendimento do mercado de etanol. Em agosto de 1997 foi criado o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool -- CIMA com a finalidade de elaborar políticas públicas para o setor.
Em maio de 2000 é estabelecido por Medida Provisória que a mistura de álcool anidro na gasolina será feita dentro de um intervalo entre 22% e 24%. Desde março de 2015 a mistura de etanol anidro na gasolina é 27%.
O álcool passou a ser chamado de etanol nos anos 2000 com sua internacionalização e a chegada dos EUA como um grande player mundial. O Brasil usa dois tipos de etanol carburante. O hidratado, vendido nos postos revendedores para abastecer veículos flex ou dedicados a etanol, deve ter graduação alcoólica entre 95,1% e 96%. O etanol anidro é misturado à gasolina e tem graduação alcoólica de no mínimo 99,6%.
Em 2003 acontece outro momento decisivo para a trajetória do agora chamado etanol no Brasil: o lançamento do primeiro carro flex, uma tecnologia que dá ao consumidor o poder de escolha entre etanol e gasolina, em qualquer proporção, no momento do abastecimento. Os carros flex tiveram grande aceitação no País, ao ponto em que praticamente todas as marcas de veículos possuem modelos com essa característica. Hoje, 87,04% das vendas de veículos novos são de flex, que têm uma fatia de 72,7% da frota circulante de ciclo Otto (2021).
A cana-de-açúcar chegou ao Brasil ainda no século XVI, nosso País sempre foi um agente importante no cenário mundial de açúcar. A partir do Proálcool, no entanto, a destinação da matéria-prima caminhou para a produção de etanol até o nível atual, entre 45% e 50% do mix de produção para etanol. Ainda assim, o Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo.
A partir de 2012 uma nova matéria prima ganha destaque na produção de etanol, o milho. Com rápida expansão, a produção já conta em 2022 com 17 unidades em operação e produz 3,8 bilhões de litros por ano. A perspectiva é atingir 8 bilhões de litros até o ano de 2030. A produção de etanol a partir do milho gera também co-produtos destinados à alimentação de gado e outros tipos de proteína animal. Uma outra característica é que no Brasil se usa madeira de reflorestamento para geração de energia para as indústrias, mais uma vantagem ambiental. (Fonte: UNEM - União Nacional do Etanol de Milho).
O setor sucroenergético também evolui para a produção do etanol de segunda geração - E2G ou etanol celulósico. No processo de fabricação a celulose do bagaço e da palha da cana é convertida por enzimas em açúcares que por sua vez são fermentados para a obtenção do etanol. O reaproveitamento do bagaço e da palha proporciona um aumento em até 50% na produção de etanol sem aumento de área plantada. Ainda, esse biocombustível avançado apresenta um índice de 30% menor de emissão de gases do efeito estufa, se comparado ao etanol de primeira geração.
Sobre os autores: Mário Campos é presidente do Fórum Nacional Sucroenergético e presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (SIAMIG) e Roberto Hollanda é diretor-executivo do Fórum Nacional Sucroenergético.
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