Em seu primeiro dia como diretor-geral eleito da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva mostrou opiniões fortes em temas como etanol e organismos geneticamente modificados, em contraste com a linguagem habitual excessivamente diplomática de dirigentes internacionais. Ao mesmo tempo, eleito pelos países em desenvolvimento, ele teve uma nova demonstração dos desafios que o esperam, como proposta de congelamento no orçamento por alguns países doadores, justamente quando há ameaças de nova crise alimentar.
O primeiro tema da agenda, com a ministra alemã da agricultura, foram as reformas na entidade. Países doadores estão impacientes com a ineficácia e a burocracia de programas da FAO, e começam a perder a paciência. A Inglaterra ameaça abandonar a FAO e estabeleceu prazo de dois anos para decidir. Os Estados Unidos estão ampliando seus próprios projetos de cooperação agrícola e diminuindo as doações pela FAO.
"Na medida em que os países em desenvolvimento vão assumindo maior peso nas organizações multilaterais, [os desenvolvidos] colocam dificuldades", disse Graziano. "É verdade que todo país tenta priorizar as relações bilaterais, que ficam inteiramente a seu controle. Mas isso envolve suscetibilidades entre países e o multilateralismo é útil".
O orçamento da FAO foi de US$ 2,1 bilhões em 2010-2011. E para Graziano, a posição de países desenvolvidos de crescimento zero no orçamento para 2012-2013 "é tomar risco imprevisível de calcular a esta altura, com a instabilidade (de preços agrícolas)".
Para ele, os altos preços agrícolas não são transitórios. E uma consequência poderá ser uma nova crise alimentar. O numero de desnutridos no mundo pode voltar logo a passar a cifra simbólica de 1 bilhão. Pior que os preços altos é a volatilidade excessiva, pelas incertezas que trazem para produtores e consumidores, acha Graziano.
Em entrevista coletiva para cerca de 200 jornalistas, o brasileiro não recusou nenhum tema e deu respostas diretas. Disse que não fez "nenhuma barganha" na campanha e manterá essa atitude. Uma fonte contou que os EUA, sempre pragmáticos, sentindo o vento soprar a favor do brasileiro, perguntaram ao ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, se seria mantido o americano que é o numero dois e chefe das finanças na FAO. Patriota perguntou então o que os EUA diriam se estivessem no lugar do Brasil. Os americanos mudaram de assunto.
Indagado sobre biocombustível e oferta alimentar, Graziano defendeu o etanol brasileiro, argumentando que o produto é como colesterol, tem o bom e o ruim. E o ruim, para ele, é o produzido de cereais (como nos EUA) e em alguns países da Asia. "O etanol brasileiro não compete com a produção de grãos", afirmou. Até agora, a FAO não poupava a produção de etanol de maneira geral.