Correio Brasiliense, 22/07/2019
Trabalhadores da indústria metalúrgica de Pernambuco apresentaram denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra o resultado da concorrência internacional conduzida pela Marinha com a Emgeprom, estatal ligada ao Ministério da Defesa. A deleção, vencida pelo consórcio Águas Azuis, visava a construção de quatro corvetas classe Tamandaré (CCT), navios-escolta, com previsão de entrega entre 2024 e 2028, conforme anunciou a Marinha em 28 de março. O projeto tem valor estimado em R$ 5,5 bilhões.
O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânica e de Material Elétrico de Pernambuco pede ação cautelar para cancelar a assinatura do contato com o consórcio liderado pelo grupo alemão ThyssenKrupp Marine Systems, a Embraer e a Atech. De acordo com o TCU, o processo é sigiloso e está em fase de instrução.
O ofício protocolado pelo Sindicato no tribunal, ao qual o Correio teve acesso, alega que o resultado do processo de seleção fere princípios de idoneidade, moralidade, economicidade, eficiência, transparência e impessoalidade do Request for Proposal — RFP nº 40005/2017-001 —, que definiu os parâmetros e condições das propostas, e a Lei das Estatais (13.303/2016). O Sindicato acusa a concorrência de ter sido direcionada. “O RFP apresentou uma série de requisitos de habilitação jurídica, com destaque para a impossibilidade de contratar empresa inidônea, em linha com a jurisprudência deste Tribunal (fl. 122 do RFP)”, alega a entidade dos trabalhadores no documento.
Com relação à idoneidade e moralidade, o sindicato afirma que os negócios da ThyssenKrupp estão sendo investigados na Alemanha e em Israel e os da Embraer, em processos na República Dominicana, na Índia e nos Estados Unidos. Além disso, o estaleiro Oceania, localizado em Itajaí (SC), onde serão construídos os navios, pertence ao grupo CBO, do qual 20% das ações pertencem à BNDES-Par, subsidiária do BNDES e responsável por classificar o conteúdo nacional da proposta — requisito do edital — o que configuraria conflito de interesses, segundo a representação.
Sobre economicidade e eficiência, o documento alega que a ThyssenKrupp está à venda, portanto, se desfez de estaleiros próprios em vários países, o que acarretaria insegurança jurídica, e entraria em choque com as condições do RFP, segundo o qual teria prioridade a proposta que oferecesse menor risco. Além disso, a proposta vencedora cobrará royalties para a construção de navios adicionais.
No que se refere à transparência e à impessoalidade, o ofício alega que a oferta de preço apresentada pelo Consórcio Águas Azuis é referencial e não está fechado, o que “afronta totalmente o instrumento convocatório e a isonomia, ao passo em que dá margem a superfaturamentos e aditivos contratuais”. O documento também reclama de falta de transparência na divulgação da composição dos pontos efetuados pela proposta.
O diretor de Gestão de Programas Estratégicos da Marinha, vice-almirante Petronio Augusto Siqueira Aguiar, disse ao site DAN (Defesa Aérea Nacional), em 12 de junho, que o preço final depende de detalhes contratuais e que haverá necessidade de pagamento de royalties ao grupo vencedor.
Empregos
O diretor do Sindicato, Henrique Gomes, alega que, se o processo fosse executado com transparência, obedecendo as condições do edital, o consórcio FLP, que inclui o estaleiro Vard-Promar, poderia construir as corvetas. Ele afirma que há dois estaleiros em Pernambuco que já empregaram, juntos, mais de sete mil funcionários especializados. Atualmente, com a crise econômica e do setor naval, esse número caiu muito e apenas o Vard-Promar emprega 200. Ele não precisou quantos trabalham no outro estaleiro.
“O programa resgata a indústria naval e isso é bom para todos, mas é uma questão legal. Não podemos aceitar um processo manipulado. O navio tem 120 metros e o estaleiro de Itajaí tem apenas 80 metros. Como pode a Marinha aceitar como melhor oferta um preço de referência que não está fechado? Como pode aceitar uma oferta que inclui pagamento de royalties para a transferência de tecnologia, que costuma ser de 3% do valor do produto, na atual situação das contas do governo?”, questiona.
Segundo Gomes, a Marinha fez questão de ser dona do sistema embarcado, com a compra da transferência de tecnologia e segredos militares, como o código fonte do sistema. Entretanto, nunca será a dona do projeto nem terá a liberdade de utilizá-lo em outros navios, já que terá que pagar royalties. Ele diz ainda que o RFP oferecia duas opções: usar o projeto da Marinha ou o da contratada, desde que o navio já tivesse sido construído.
Marinha: preços sigilosos
Por meio de nota, a assessoria da Marinha informa que ainda não recebeu questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), mas está pronta a antecipar os esclarecimentos necessários. Sobre a transparência e economicidade do processo, a Marinha informou que os preços propostos e a pontuação feita pelos consórcios concorrentes não foram divulgados porque “informações dessa natureza não são divulgadas publicamente em processos relativos às atividades de Defesa”.
Em relação ao pagamento de royalties para a transferência e tecnologia, a Marinha afirma que, “o modelo de negócio estabelecido privilegiou a concorrência entre as proponentes, mantendo a obrigação de contar, mediante efetivo pagamento, com a transferência de conhecimento e de tecnologia para a Marinha e para as empresas brasileiras envolvidas”, que “a obtenção de conhecimento permitirá o adequado e econômico emprego dos recursos públicos, ainda mais quando vinculados à liberdade com a preservação da soberania nacional”.
Seleção
Não houve explicações, porém, com relação ao quesito idoneidade das empresas vencedoras, reclamado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco. “A Marinha do Brasil esclarece que todo o processo de seleção observou as boas práticas de procura e aquisição de bens e serviços praticadas em escala mundial para escolha e posterior contratação de produtos militares, notadamente aqueles de alta complexidade. Os procedimentos e critérios adotados foram essencialmente técnicos, sem qualquer interferência política”, segue a nota.
A assessoria do BNDES afirma, também por meio de nota, “que participou do processo por solicitação da Marinha do Brasil, tendo em vista o interesse da Marinha em implementar um método de apuração de conteúdo local e a experiência do Banco no assunto”. Segundo a nota, a atuação do banco se restringiu à transmissão de conhecimento para a Marinha e à verificação dos índices das propostas classificadas. “Cumpre ressaltar que o índice de conteúdo local consistiu em um dos critérios de avaliação e a matriz de decisão, com todos os parâmetros, não foi fornecida ao BNDES”, destaca.
O comunicado do BNDES não comenta a alegada participação acionária de 20% da BNDESPar no grupo naval CBO, dono do estaleiro Oceania, conforme consta do ofício encaminhado ao TCU pelo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pernambuco, e questionada pelo Correio.
"Soluções de última hora"
A assessoria do Consórcio Águas Azuis rebate as críticas e afirma que desconhece as informações sobre irregularidades na licitação das corvetas, portanto, não comentaria “rumores de mercado”. A nota do consórcio declara que “soluções rápidas de última hora revelaram-se negativas no passado”, e informa que “a ThyssenKrupp Marine Systems e a German Naval Yards Kiel firmaram acordo para a licitação do projeto de aquisição de navios de combate MKS 180 da Marinha alemã e, se a German Naval Yards Kiel vencer, a ThyssenKrupp Marine Systems será subcontratada.
Sobre Israel, a nota diz que “após publicação de artigos na imprensa, a ThyssenKrupp suspendeu o relacionamento comercial com seu representante de vendas local e imediatamente iniciou uma investigação interna” e que a empresa coopera com as investigações. “Até onde sabemos, nem a ThyssenKrupp nem os funcionários são parte da investigação em Israel”.
Em relação ao fechamento de estaleiros, devido ao processo de venda da ThyssenKrupp, o grupo afirma que, atualmente, a empresa possui um estaleiro para submarinos em Kiel (Alemanha)”. A nota também informa que o Consórcio apresentou à Marinha proposta baseada no conceito da classe Meko, de um tipo utilizado pela marinhas de 14 países, em um total de 82 unidades, 37 produzidas fora da Alemanha e em plena operação.
“O Estaleiro Oceania atuará como construtor contratado e receptor de tecnologia, possui instalações altamente capazes para a construção das corvetas e aplica os mais inovadores processos de engenharia e construção, com alto nível de automação e tecnologia de ponta”, segue a nota.
A assessoria da Embraer informa que a empresa foi alvo de investigações pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pelo Ministério Público (MP) brasileiro entre 2011 e 2016, não havendo condenação, e que um acordo assinado entre a empresa, o MP e do Departamento de Justiça americano permitiu que a Embraer continuasse a assinar contratos nos Estados Unidos.
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