Em meio aos altos e baixos da indústria do etanol no Brasil - e recentemente têm havido muitos -, Vasco Dias está otimista. O presidente-executivo da Raízen, uma joint venture entre a Royal Dutch Shell e a Cosan, a maior exportadora de açúcar e etanol do país, acaba de pedir ao seu conselho de administração que aprove um projeto que poderá transformar a indústria energética global.
Após anos de pesquisas com os parceiros Codexis, da Califórnia, e Iogen, do Canadá, sobre o etanol celulósico - combustível produzido a partir do bagaço, folhas, cascas e outros resíduos da produção de cana-de-açúcar -, ele está propondo ao conselho que a Raízen instale uma unidade no Brasil para produzi-lo em escala industrial. Com capacidade de aproximadamente 37,8 milhões de litros por ano, ela seria uma das primeiras do tipo no mundo.
"Esta é a solução mais limpa possível: pegar refugos e transformá-los em combustível", diz Dias. "Assim que alguém fizer isso, a coisa vai explodir", avalia. A comercialização plena do etanol celulósico vai demorar alguns anos e enfrenta muitos desafios. Mas sua promessa de dobrar a produtividade dos produtores brasileiros de etanol de cana-de-açúcar é mais um sinal positivo em um setor cujo potencial de gerar energia limpa abundante - além de plásticos, lubrificantes e outros produtos feitos de materiais renováveis - é virtualmente impossível de ser equiparado por qualquer outra fonte de combustíveis.
Com a suspensão pelos Estados Unidos, em dezembro de 2011, de tarifas de importação sobre o etanol impostas há décadas, o Brasil passou a ter livre acesso ao gigantesco mercado americano - sem contar a União Europeia, que prometeu se mexer para aumentar a proporção de combustíveis limpos na gasolina para 10% até 2020. O momento que as indústrias brasileiras sempre esperaram parece finalmente ter chegado.
Para a presidente Dilma Rousseff, o etanol continua sendo uma área em que o Brasil tem clara vantagem sobre outros mercados emergentes. Com a nação se preparando para hospedar a conferência global sobre o meio ambiente (Rio+20), no mês que vem, o setor reforça a ficha invejável do Brasil em fontes renováveis, que respondem por quase metade da energia que o país consome.
O etanol poderá muito bem ser o combustível do futuro, mas a questão é como realizar essa promessa. "Qualquer cálculo preliminar indica que seria possível triplicar a produção com as terras disponíveis no país", afirma José Goldenberg, especialista em questões ambientais. "Isso não substituiria a produção de gasolina, mas provocaria uma queda nela. Este é o potencial, mas ele ainda não está se concretizando", diz.
O domínio que o Brasil exerce sobre o comércio de açúcar é um exemplo de seu poder agrícola. O país é o maior produtor e exportador, com o controle de 50% do mercado mundial. Também possui terras suficientes para que a produção da cana forneça o equivalente a um quinto do combustível usado hoje pelos automóveis no mundo, segundo a Unica, associação da indústria no país. Em 2008, o valor do setor estava estimado em 2% do PIB brasileiro. Hoje, está avaliado em cerca de US$ 50 bilhões. Atualmente, o país produz 30% do etanol mundial, perdendo para os EUA, com 58%
O uso do etanol no Brasil decolou depois de 2003 quando os automóveis flex foram introduzidos. Em 2010, 80% dos veículos novos usavam a tecnologia. "O crescimento econômico e o aumento das vendas dos carros flex estão motivando a expansão contínua do mercado de açúcar e etanol no país", comenta Marianna Waltz, analista da agência Moody's Investors Service.
Apesar das preocupações persistentes com o uso do fogo pelos produtores na colheita da cana e com o desmatamento de novas áreas, o etanol é considerado um dos combustíveis mais limpos em termos de emissão de gases de efeito estufa. "O desempenho do combustível é bastante alto e muito melhor que o etanol de milho", diz Melinda Kimble, especialista em biocombustíveis da UM Foundation, grupo que apoia o desenvolvimento sustentável.
Um estudo feito pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA constatou que o etanol de milho gera emissões que vão de 48% menos a 5% mais que a gasolina. A redução média das emissões do combustível brasileiro é de 61%.
Os EUA, maior mercado de combustíveis do mundo, é o alvo dos exportadores brasileiros. O Renewable Fuel Standard (RFS), obriga as refinarias de gasolina e diesel a misturar 7,56 bilhões de litros de "biocombustível avançado" em sua produção, categoria que inclui o etanol brasileiro mas exclui o americano. Esse volume é equivalente a apenas 1,2% do mercado americano de combustíveis para transporte rodoviário. Mas a Agência de Proteção Ambiental tem planos de triplicar a exigência até 2015, para 20,8 bilhões de litros, e chegar aos 79,38 bilhões de litros em 2022.
Porém, o problema que os produtores brasileiros e americanos de etanol enfrentam é a "muralha da mistura" - um limite à proporção do biocombustível que pode ser misturado ao combustível para transporte rodoviário nos EUA. Lá, há um conflito entre dois conjuntos de regras. Enquanto o RFS está propondo o aumento do uso dos biocombustíveis, as regras sobre a qualidade dos combustíveis impõem um teto de 10%, criando uma mistura conhecida como E10. Já há mais etanol entrando nos EUA que pode ser usado sob o limite E10, e o país começa a exportar parte de seu excesso, inclusive para o Brasil.
Em uma situação "meio que perversa", segundo Bob Dinneen, presidente da RFA, os EUA estão importando volumes crescentes de etanol brasileiro, exportando ao mesmo tempo volumes crescentes de sua própria produção para países como o Canadá e o Reino Unido. A solução seria passar para o E15 - uma mistura com 15% de etanol que a Agência de Proteção Ambiental aprovou, em princípio, para veículos produzidos desde 2001. Mas a disseminação será lenta, em meio à resistência de alguns Estados americanos produtores de petróleo, varejistas de combustíveis que reclamam de despesas maiores e da complexidade do setor de gasolina nos EUA.