<P>Talvez estimulado pelos novos ares que respira como blogueiro, o ex-governador Lúcio Alcântara (PR) contratou um anúncio nas páginas do O POVO de domingo passado e se pôs a dar aulas de ética e de procedimento no jornalismo. Seus argumentos não são bons, mas, nesse caso, essa discussão ?...
O Povo - CETalvez estimulado pelos novos ares que respira como blogueiro, o ex-governador Lúcio Alcântara (PR) contratou um anúncio nas páginas do O POVO de domingo passado e se pôs a dar aulas de ética e de procedimento no jornalismo. Seus argumentos não são bons, mas, nesse caso, essa discussão é dispensável. O que importa é o bom debate acerca das obras de ampliação do Porto do Pecém. A questão envolve uma montanha de dinheiro público e os maiores interesses do Ceará. Em sua nota, Lúcio defende o mérito de uma licitação de R$ 420 milhões providenciada pelo seu governo em setembro de 2006. Uma licitação que, felizmente, não foi adiante. Na época, tudo foi feito sem a devida transparência. Não há um só jornalista dessa terra que tenha recebido um só release oficial com informações antecipadas sobre o edital e a licitação. A Coluna só a descobriu porque fez jornalismo. Ao descobrí-la, deu-se a exposição do caso à luz do Sol. Daí a denominação de licitação Drácula (sob o Sol, vira pó). A primeira tentativa de licitá-la foi em fevereiro de 2006 a um preço de R$ 268 milhões. Deu deserta. Apenas sete meses depois, nova tentativa só que a um preço de R$ 420 milhões e, segundo o Governo, com mudanças no projeto (a Coluna nunca conseguiu acesso ao primeiro edital para conferir as tais mudanças). No fim das contas, uma diferença de R$ 152 milhões.
NO CEARÁ É E ERA ASSIM: PAGA-SE POR ETAPAS
A licitação, uma das maiores da História do Estado, estava sendo feita em plena sucessão estadual, no apagar das luzes daquele mandato. Tal circunstância especialíssima obriga o bom jornalismo a ligar as sirenes. Foi o que se fez. É o que se fará sempre, seja quem for o governador de plantão. A Coluna questionou de maneira frontal um item em especial. A saber: o edital determinava o pagamento de 5% do valor da obra assim que o contrato fosse assinado com a empreiteira vencedora. Ou seja, R$ 21 milhões de cara sem que fosse preciso movimentar um só carrinho de mão com areia. Na sua nota, o ex-governador argumenta que o fato não é inédito ao contrário do que dizia e ainda diz a Coluna. O ex-governador cita como exemplo a obra do Rodoanel em São Paulo. Ora, há exemplos ruins espalhados Brasil afora, mas esse não é o exemplo do Ceará. Na época, a Coluna consultou várias fontes que confirmaram o ineditismo entre nós. Consultou, inclusive, uma importante fonte dentro do Governo Lúcio com larga experiência em grandes licitações de grandes obras. No Ceará, o bom costume é o seguinte: nada de adiantamentos. Paga-se mensalmente por cada trecho de obra efetivamente construído.
A AMPLIAÇÃO COMPARADA E UM FATO
Na época, o outro questionamento da Coluna dizia respeito ao preço: o que mudou tanto para uma obra de ampliação, em seis meses, sair de R$ 268 milhões para R$ 420 milhões? Isso, em 2006. E agora novos questionamentos em relação ao passado surgem com a decisão do governador Cid Gomes (PSB) de fazer a obra no porto por R$ 301 milhões (na verdade, foi aplicado um reajuste e ela vai para aproximadamente R$ 338 milhões). Uma diferença de preço (R$ 119 milhões) que chama a atenção. Na nota, o ex-governador desconfia das intenções da Coluna ao expor tal dúvida. Lúcio argumenta que a diferença para menos se deve ao encurtamento do quebra-mar de 1,5 mil metros para mil metros. Diz também que as camisas metálicas (elas protegem as bases do Porto contra a ferrugem) tiveram seus custos excluídos da obra de agora. Diz ainda que a obra de 2006 tinha como referência a tabela oficial daquele ano e a obra de agora tem como base a tabela de 2007 (então a de antes deveria ser mais barata). O ex-governador argumenta que a Coluna compara como iguais coisas desiguais. Diz que é um erro comparar a atual obra com a obra de 2006. Ok, mas, hoje, o que há de fato é o seguinte: a ampliação do Porto a um preço menor e levando em conta necessidades que não havia em 2006 (como a futura ZPE, a siderúrgica a carvão e a refinaria).
CASO É PEDAGÓGICO E PRECISA SER ACOMPANHADO
Caros leitores, o fato é que a licitação defendida pelo ex-governador não foi adiante. Não porque duas liminares a suspenderam (elas foram derrubadas, mas o tempo ficou curto). Ainda bem. No mercado, corria frouxa a suspeita do nome da empresa carimbada para vencer a licitação daquela obra. Como se sabe, cinco grandes empresas dominam o mercado de grandes obras públicas no Brasil. É um mercado fechado. Influentes, essas empresas dominam os orçamentos públicos e carimbam seus interesses. Não foi à toa a ira de Cid Gomes com o cerco que elas fizeram para que nenhuma empresa apresentasse proposta de tocar a obra. O que acontece agora é pedagógico sim. É um imbróglio que serve para expor as entranhas dos negócios que explicam o Brasil. Para os mais cultos, a cronista Rachel de Queiroz seria uma grande narradora do caso. Para as massas, chamemos o Galvão. Uma mistura dos dois talvez sirva a todos. Na nota o governador chama os leitores da Coluna para o exercício saudável de uma reflexão isenta, provida pelo amplo conhecimento da verdade que lhe tem sido sistematicamente sonegada. Ora, a gestão do ex-governador só veio dar alguma satisfação sobre o caso ao distinto público após a provocação da Coluna. Uma satisfação com lacunas. Tanto que, sob o sol, a licitação não foi adiante e acabou refeita com outro conteúdo e outro preço (bem menor). Como já foi dito aqui, a Coluna continuará acompanhando essa licitação passo a passo.
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