Reuters, 30/03/2022
O mercado de combustíveis no Brasil registra neste início de ano mais um componente "altista": os preços dos créditos de descarbonização (CBios) mais do que triplicaram em março ante valor médio do mesmo mês do ano passado.
Os CBios, os quais as distribuidoras de combustíveis precisam comprar para compensar a venda de derivados de petróleo, atingiram uma máxima histórica de mais de 100 reais no início de março. Isso ocorreu com uma maior procura dos compradores e menor oferta de CBios pelos produtores de bicombustíveis, que são os emissores dos créditos.
O custo adicional deve ser repassado em algum momento aos preços nos postos, aparecendo como mais um vetor de alta dos valores do diesel e gasolina, após a Petrobras ter elevado este mês esses combustíveis em cerca de 25% e quase 19%, respectivamente, para reduzir a defasagem ante o mercado de petróleo.
"Os CBios têm impacto no preço, sem dúvida, as companhias trabalhavam antes com valor perto de 40 reais, e hoje está 100 reais", disse à Reuters o representante de uma importante distribuidora, na condição de anonimato para falar sobre o tema.
"Isso é custo da sociedade, no final da linha, quem paga é o consumidor, mais um item encarecendo os combustíveis", afirmou.
A alta nos preços dos CBios, que mantinham-se um pouco abaixo das máximas históricas, a cerca de 96 reais, reforça ainda a ideia de que o mercado desses créditos deve movimentar valores muito maiores do que os 2 bilhões de reais de 2021, já que as metas para 2022 também são superiores, demandando maior capital das distribuidoras.
A associação de distribuidoras Brasilcom afirmou que o "crescente custo" de aquisição dos CBios "vem sendo um entrave significativo à sobrevivência das pequenas e médias empresas do setor, dando oportunidade à concorrência predatória".
A entidade disse ainda, em nota recente, que os valores dos CBios "impactam ainda mais os já tão elevados preços dos combustíveis para os consumidores".
Questionada pela Reuters, a Brasilcom comentou que há indicações de que o custo adicional dos créditos para os consumidores seria de até 0,10 real por litro.
A associação, que afirma ser apoiadora da política governamental de descarbonização, disse também que a decisão de repassar os custos dos CBios é de cada empresa e preferiu não se alongar. O IBP, instituto que representa petroleiras e as grandes do setor de distribuição, preferiu não comentar.
Vai sobrar CBIO
A disparada dos valores reacendeu uma queixa dos compradores, de que os emissores (produtores de biocombustíveis) não têm prazo máximo para ofertar os títulos, o que seria um estímulo à especulação. A Brasilcom já sugeriu mudanças na sistemática de negociação.
Para a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), representante dos principais emissores de CBios, "está tudo dentro da normalidade", e a grande oscilação do preço foi resultante da oferta e demanda pelo título neste início de ano.
Com uma queda acentuada do consumo de combustíveis no Brasil nos primeiros meses do ano, disse o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues, acabou ocorrendo uma redução de 23% nas emissões de CBios no acumulado do ano até o dia 25 de março.
De outro lado, disse ele, distribuidoras compraram 75% mais no mesmo período.
"Tudo isso mexe com o mercado, e fez com que tivesse esse impacto na precificação... agora, vai sobrar CBios este ano", notou Padua, estimando que entre o total emitido e as obrigações das distribuidoras, a sobra pode atingir até 6 milhões de créditos em 2022.
As usinas do centro-sul do Brasil iniciam oficialmente a safra em abril, quando as negociações de etanol tendem a ganhar força, assim como a produção, garantindo a oferta de CBios.
Já as distribuidoras têm até o final de cada ano para fechar as compras dos CBios dentro das metas.
"Surpreendeu bastante... começar o ano com 100 reais foi muito surpreendente, e realmente foram as distribuidoras que estão se planejando mais...", disse a analista do Itaú BBA Annelise Sakamoto Izumi.
No acumulado do mês até o dia 24, segundo dados do banco, houve uma alta de 220% no preço médio do CBio para 99,08 reais ante o mesmo período de 2021, quando os créditos foram cotados na B3 a 30,92 reais.
A analista também citou produtores colocando menos CBios no mercado, já que as negociações de etanol foram mais fracas.
O setor de distribuição precisa comprar um total de 36,7 milhões de créditos em 2022, com as maiores companhias, como Vibra Energia, Raízen e Ipiranga respondendo pela maior parte das obrigações, respectivamente, 9,7 milhões, 6,9 milhões e 6,74 milhões de CBios. No ano passado, a meta total de CBios foi de quase 25 milhões de créditos.
Este é o terceiro ano de negociações de CBios, que integra o RenovaBio, política do país que tem objetivo de retirar centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera na próxima década, contribuindo para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, além de impulsionar a indústria de biocombustíveis.
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