Artigo

Cultura Pointig the Fingers: quando a governança deixa de ser princípio e se torna discurso

Assessoria Punder Advogados
17/12/2025 14:21
Cultura Pointig the Fingers: quando a governança deixa de ser princípio e se torna discurso Imagem: Divulgação Visualizações: 118

Por Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados

 

Existe um equívoco muito difundido no mundo corporativo: a ideia de que a crise revela quem a empresa realmente é. Na prática, a crise não revela a organização, revela os seus executivos. É no momento de maior pressão que se torna evidente se uma liderança está comprometida com a governança ou apenas com a própria imagem.

E é justamente nesse ponto que ganha destaque um comportamento que corrói silenciosamente estruturas inteiras, a cultura do “pointing the fingers”, o ato reflexo de responsabilizar terceiros antes de assumir a própria parcela de responsabilidade.

Essa cultura não nasce na operação, nem nas equipes técnicas, ela se origina no topo, na mesa de executivos que diante do primeiro sinal de problema, se apressam em encontrar culpados, não causas.

Enquanto áreas operacionais tentam entender o que ocorreu, líderes mais preocupados com sua reputação pessoal do que com a integridade institucional iniciam uma disputa narrativa interna. É nesse instante inicial, que a governança deixa de ser princípio e se torna discurso. A busca por culpados substitui a busca por fatos. Versões se sobrepõem à verdade. E a empresa, mesmo antes de comunicar oficialmente qualquer incidente, já está com sua crise ampliada pela postura de quem deveria contê-la.

Casos corporativos recentes, em setores, como de publicidade, auditoria e tecnologia, mostram um padrão que se repete com impressionante precisão. A empresa enfrenta um incidente. Em vez de transparência imediata, a liderança adota o discurso de que “a culpa foi do copresidente”, “a área técnica falhou”, “o processo não funcionou”, “o fornecedor errou”, “ninguém me avisou” ou “não sei de nada”.

Meses depois, quando as investigações independentes acontecem (pois muitas vezes os executivos não buscam a verdade), revelam que decisões tomadas na alta administração foram determinantes para o problema, desde cortes em manutenção até adiamento de atualizações críticas, passando por metas comerciais incompatíveis com controles de compliance.

A crise, que poderia ter sido tratada com rapidez, se expande porque a resposta inicial não teve como objetivo solucionar o problema, mas proteger quem gerou as condições para que ele acontecesse. É muito mais fácil “demitir” outra pessoa como o “culpado” para acabar com a crise do que o executivo reconhecer que ele é falível. O mundo corporativo está cheio de “bodes expiatórios”.

Segundo um relatório recente da Resume Now, plataforma online voltada para carreira, 61% dos profissionais afirmam já terem sido responsabilizados injustamente, e 32% dizem ter vivido essa situação mais de uma vez, evidenciando como a cultura de transferência de culpa permanece presente e recorrente no ambiente corporativo.

O impacto humano dessa postura é devastador. Quando colaboradores percebem que diante de qualquer incidente, serão os primeiros a serem responsabilizados, se instaura um ambiente de medo e autopreservação. Profissionais param de reportar riscos, receiam tomar decisões e deixam de elevar problemas ao nível estratégico. A lógica passa a ser simples: quem fala, perde; quem alerta, se expõe; e quem tenta corrigir erros estruturais, acaba sendo visto como ameaça, não como aliado.

Ambientes assim não são apenas disfuncionais, são perigosos, porque estimulam a omissão, sufocam talentos, destroem a confiança interna e criam equipes que atuam com receio constante de represália. Essa deterioração emocional tem custo direto, aumenta o turnover, reduz o engajamento, cresce a probabilidade de erros repetidos e multiplica o retrabalho. O clima de insegurança gera improdutividade, silos organizacionais e, em alguns casos, adoecimento.

Os profissionais mais competentes, justamente aqueles que poderiam elevar o padrão ético e técnico da companhia, costumam ser os primeiros a buscar novos ambientes de trabalho. Organizações que perdem seus melhores talentos não são vítimas das crises que enfrentam, mas da liderança que as criam.

No campo financeiro, o prejuízo é igualmente tangível. Empresas que operam sob uma cultura de apontamento acumulam reincidências de falhas, ampliam gastos com investigações internas, enfrentam maior rigor regulatório e sofrem, inevitavelmente, com desvalorização de mercado.

Investidores, bancos e parceiros comerciais sabem identificar quando há incoerência entre discurso e prática. Uma empresa cujas coletivas de imprensa contradizem memorandos internos, cujos executivos apresentam versões divergentes ou cujos relatórios não fecham com evidências documentais, se torna imediatamente um ativo de alto risco. E risco elevado significa custo de capital maior, preços piores e menor confiança institucional.

Há também o efeito regulatório, onde órgãos, como Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Banco Central do Brasil (Bacen), Comissão de Valor Mobiliários (CVM), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e outros não reagem apenas ao incidente, mas à forma como a empresa lida com ele. Quando percebem tentativas de minimizar ou deslocar responsabilidade, tratam o caso com mais rigor. Exigem informações adicionais, reabrem fiscalizações e ampliam sanções.

Empresas maduras, que assumem responsabilidade desde o início, normalmente atravessam crises de forma mais rápida e com menor impacto. Empresas que tentam proteger executivos acabam enfrentando fiscalizações mais longas e penalidades maiores, muitas vezes, como consequência direta da sua falta de transparência inicial.

Mas talvez o aspecto mais sensível dessa discussão esteja na governança comportamental, um campo ainda pouco compreendido por parte do mercado. Processos, políticas e controles são essenciais, mas nenhum deles resiste a decisões tomadas com base em medo, vaidade ou disputa interna.

Um programa de compliance pode ser exemplar no papel e ainda assim falhar completamente se ao primeiro sinal de incidente, sua liderança romper os princípios de equidade, prestação de contas e transparência. A corrosão começa de cima e desce em velocidade assustadora.

A diferença entre empresas que atravessam crises com resiliência e empresas que são definidas por suas crises não está na gravidade dos incidentes, mas na maturidade da resposta.

Organizações que assumem responsabilidade conseguem controlar a narrativa, proteger sua reputação, preservar talentos e restaurar a confiança do mercado. Já organizações que buscam culpados ampliam o dano, fragilizam sua estrutura interna e comprometem sua credibilidade, muitas vezes de forma irreversível.

A verdade é simples e desconfortável: líderes que apontam dedos estão dizendo, sem perceber, que seu ego vale mais que a governança, a transparência e a saúde da organização. E enquanto essa lógica prevalecer, nenhuma política, comitê ou certificação será capaz de salvá-la de si mesma. A accountability não é um item de checklist, é um ativo estratégico, a base invisível que sustenta empresas sólidas e a ausência silenciosa que destrói empresas frágeis.

No fim, as crises não destroem reputações. Elas apenas as revelam, e o que revelam, quase sempre é o que a liderança tentou esconder.

Sobre Patricia Punder

Partner e fundadora do escritório Punder Advogados no modelo de negócios “Boutique”, une excelência técnica, visão estratégica e integridade inegociável na advocaciawww.punder.adv.br

- Advogada, com 17 anos dedicados ao Compliance;

- Atuação nacional, América Latina e mercados emergentes;

- Reconhecida como referência em Compliance, LGPD e ESG;

- Artigos publicados, entrevistas e citação em matérias de veículos renomados, como Carta Capital, Estadão, Revista Veja, Exame, Estado de Minas, entre outros, tanto nacionais quanto setorizados;

- Nomeada como perita judicial no caso Americanas;

- Professora na FIA/USP, UFSCAR, LEC e Tecnológico de Monterrey;

- Certificações internacionais em compliance (George Whashington Law University, Fordham University e ECOA);

- Coautora de quatro livros de referência em compliance e governança;

- Autora da obra “Compliance, LGPD, Gestão de Crises e ESG – Tudo junto e misturado – 2023, Arraeseditora.

Mais Lidas De Hoje
veja Também
Comunicação Corporativa
IA só converte quando parece "gente", afirmam especialistas
19/12/25
Biodiesel
ANP reúne representantes de laboratórios para discussões...
18/12/25
Comunicação e Inclusão
MPor amplia inclusão com Sala Multissensorial em Viracopos
18/12/25
Etanol de milho
Produção de etanol de milho cresce, mas disputa por biom...
17/12/25
Responsabilidade Social Empresarial
Programa Mulheres do Nosso Bairro, da ENGIE, investe mai...
15/12/25
Saúde Mental
CVV reforça plantão especial durante as festas de fim de ano
15/12/25
Meio ambiente
Shell Brasil, Petrobras e CCARBON/USP lançam o Carbon Co...
12/12/25
Energia Solar
Desafios de topografia na geração de energia solar: conh...
12/12/25
Drilling
SLB conclui a construção do primeiro poço de injeção de ...
12/12/25
Arte e Cultura
Aventura e TotalEnergies inauguram um novo ciclo para um...
10/12/25
Meio ambiente
ABREE orienta famílias sobre o descarte consciente de el...
09/12/25
Energia Solar
ArcelorMittal e Atlas Renewable Energy concluem construç...
09/12/25
Campanha
Dezembro Laranja: Especialista lista 4 recomendações par...
09/12/25
Energia Elétrica
Primeiro complexo híbrido de energia da Equinor inicia o...
08/12/25
CAUSA
Neste Natal, presenteie com propósito ao lado de Médicos...
02/12/25
Certificação
TKMS Estaleiro Brasil Sul é reconhecida com a certificaç...
02/12/25
Descarbonização
Naturgy reforça papel estratégico do gás natural na segu...
28/11/25
Comunicação Case
O Boticário aborda bullying familiar, em campanha de Natal
28/11/25
Transição Energética
Transição energética avança no Quebec e mira empresas br...
27/11/25
Energia Solar
EDP coloca em operação usina solar na fábrica da Johnson...
26/11/25
Inclusão social
Vale lança campanha solidária para contribuir com a incl...
26/11/25
VEJA MAIS
Newsletter TN

Fale Conosco

Utilizamos cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você concorda com a nossa política de privacidade, termos de uso e cookies.