Na exploração de petróleo e gás natural o risco geológico é a essência do negócio. Diferente de outras atividades econômicas, as que envolvem exploração mineral ou de petróleo não dependem unicamente da aplicação de recursos de capital e técnica apropriada para criar riqueza. Dependem de um evento que é sempre incerto, qual seja a descoberta.
E não basta apenas constatar a existência do recurso natural. É necessário que o mesmo se apresente em quantidade e condições técnicas que viabilizem sua extração. Não sendo o caso, o recurso continuará no subsolo, não explorável, fora do comércio. Trata-se, em certa medida, de uma “caça ao tesouro”.
A exploração e produção de petróleo inicia-se com a aquisição do direito exploratório que, no Brasil, ocorre através das licitações organizadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ela oferece as áreas para análise e os interessados avaliam as características geológicas gerais, decidindo participar ou não do certame, nesta ou naquela área específica, para a qual será oferecido um valor para adquirir o direito de explorar.
Uma vez adquiridos os direitos sobre a área, vultosas inversões de capital são aplicadas para complementar o conjunto de informações geofísicas do local, seguindo-se daí a aplicação de mais recursos de capital na perfuração de poços exploratórios. Essas fases sempre correspondem a dispêndios muito elevados, realizados quando ainda não se tem qualquer certeza se haverá qualquer receita no futuro. Muito menos, retorno.
Mesmo quando a perfuração revela indícios da existência de óleo e gás, mais recursos de capital são ainda necessários a fim de avaliar as caraterísticas, quantidade e possibilidades tecno-financeiras de extrair-se o petróleo de modo economicamente viável. Também nesta fase os dispêndios são feitos sem que haja certeza quanto retorno do capital.
Confirmadas tais possibilidades e declarada a comercialidade, inicia-se a Fase de Produção, com a aplicação de elevadíssimos recursos de capital, agora destinados ao desenvolvimento da produção. Isso inclui a perfuração de mais poços produtores, a construção e instalação de ativos de produção, tais como como plataformas/FPSO´s e equipamentos e instalações subsea, quando as atividades são realizadas offshore, instalações logísticas tais como dutos, gasodutos, plantas de processamento, entre outros investimentos. Aqui, embora constatada a viabilidade da produção no momento presente, permanecerá o investidor correndo o risco do preço do petróleo que varia na linha do tempo em ciclos de alta e baixa.
Iniciada a produção, a empresa passa a fazer frente às despesas e custos operacionais até que a produção passe a decair - o que demora anos para acontecer. A maturidade dos campos pode modificar a economicidade da produção, requerendo novas inversões de capital para que seja mantida a viabilidade da produção. Caso contrário, ela pode ser abandonada ou cedida para quem consiga, porventura, fazer viável por outros meios que o cedente não detinha.
As operações de farm-in e farm-out são, na verdade, as cessões ou transferências dos direitos de exploração e produção que, como se pode ver, consistem no direito de investir muitos recursos na busca de algo que pode ou não ser finalmente encontrado. Essas cessões podem ocorrer desde as primeiras até as últimas fases da exploração e produção descritas acima, a depender do interesse a da possibilidade do cedente em continuar neste processo de investimento.
Via de regra, tais cessões acontecem no contexto da “gestão de riscos” das empresas petrolíferas. Elas avaliam e reavaliam seus portfólios constantemente gerenciando sua matriz risco-retorno-reposição de reservas, adquirindo ou cedendo posições contratuais e direitos exploratórios e de produção, de modo a atingir seus fins econômicos de acordo com as estratégias, capitalização e objetivos que possuem.
O tipo de operações que queremos analisar aqui são as cessões de posições contratuais que transferem parcial ou totalmente os seus direitos exploratórios e ou de produção. Farm-in para quem adquire e Farm-out para aquele que se retira, cedendo sua posição contratual.
Uma das formas mais simples de farm-out é a simples saída de um sócio do consórcio, ou bloco, ocasião em que os “ativos” da produção revertem todos em benefício do(s) sócio(s) remanescente(s). No caso da retirada pura e simples, ou do “forfeiture” (exclusão do inadimplente nas obrigações de concorrer paras os custos e despesas comuns), entendemos que não há qualquer hipótese de ser verificado ganho de capital ou acréscimo patrimonial pelos sócios remanescentes (cuja ocorrência já foi defendida em mais de uma oportunidade por auditores fiscais da Receita Federal do Brasil em cursos e palestras sobre tributação e contabilidade da indústria de óleo e gás).
O argumento de que haveria “acréscimo patrimonial” ou “disponibilidade jurídica” de renda nesses casos (retirada ou forfeiture, sem qualquer contraprestação do cessionário), capaz de autorizar aplicação dos artigos 224, 225 e 249 do RIR 99 (atualmente dispostos nos artigos 208, 222 e 260 do RIR 2018, respectivamente), simplesmente não procede e não resiste ao primeiro olhar do Juiz de Direito que atente a esta hipótese.
Isto porque não pode haver receita ou ganho por “acidente”, assim como não pode haver receita indesejada. E mais, os gastos realizados pelo terceiro não são dedutíveis pelos remanescentes. Não há qualquer patrimônio acrescido aos remanescentes, sequer aumentadas suas chances de ocorrer descoberta. Caso esta não se verifique, os ativos (que em verdade são despesas e custos capitalizados) são todos baixados a perda. Zero Valor. Havendo descoberta, os recursos investidos pela parte retirante não podem ser recuperados (via depreciação/amortização/exaustão) pelos remanescentes.
Nos casos em que a cessão se dá de modo oneroso, através de um “consideration fee” pago pelo Cessionário, a alienação da concessão pode ser neutra ou resultar em ganho ou perda tributável, a depender se o valor da transação vier a ser superior, igual ou inferior aos gastos já incorridos até o momento da cessão (e, infelizmente, também em virtude da trava dos 30% para compensação de prejuízos fiscais). Isso porque a parte cedente realizará a baixa de todos os ativos capitalizados contra a realização do recebimento do preço do farm-out. Se superior, há ganho, se inferior, perda. A apuração do resultado, em operações FAFO (farm-in farm-out), assim, não revela muita controvérsia. Esta se apresenta, em verdade, quando a operação de cessão parcial de uma concessão (ou direito exploratório) envolve a denominada Cláusula de Carrego ou “carrying clause”.
Nestes casos, o Cessionário assume os dispêndios de investimento do qual todos os membros se beneficiam. O Carregador (Cessionário) faz o desembolso do investimento sozinho, ou em percentual mais elevado que o de sua participação no recebimento do petróleo produzido, como condição de sua entrada imposta pelo(s) Cedentes(s). Alguns tem afirmado que tal arranjo constitui um pagamento, ou retribuição ao farmor, in natura, capaz de constituir um ganho ou receita, tributável, do(s) carregado(s).
Há inclusive quem alegue que a mesma abordagem relativa à saída de sócio e reversão de ativos (pela desistência do sócio), serviria para compreender a natureza do “acréscimo patrimonial” auferido pela(s) parte(s) carregada no investimento. Repetido engano.
Entretanto, o encargo assumido pelo sócio carregador não compreende obrigação típica – bilateral e sinalagmática - que autorize a imaginar que os valores dispendidos em excesso sejam em benefício dos carregados. Não é esse o caso.
O carrego é dispêndio prestado em benefício do próprio carregador. Imposição dos detentores anteriores da chance exploratória, é verdade, mas que nenhum benefício traz aos carregados além da oportunidade de terem a mesma chance exploratória (chance da descoberta), dispendendo menos recursos do que os que chegaram depois (carregadores). Não se trata de sub-rogação, como imaginam alguns. Não cumpre o Carregador obrigação do carregado e não aproveita este, a título de dedução, amortização ou exaustão, os valores que não dispendeu. Os dispêndios efetuados pelo Carregador apenas podem ser aproveitados (deduzidos / amortizados / depreciados) por ele próprio.
De fato, inexiste norma tributária legal ou infra legal específica sobre o tema, mas podemos apreender do direito norte americano, que possui um século de jurisprudência tributária sobre a matéria petrolífera, inclusive a sua Suprema Corte, de onde nasceram as doutrinas do "pool of capital" e o conceito de sharing. Sobre quem deduz, deprecia ou amortiza o que, nas operações com carrego, diz a Doutrina Estadunidense: "Our discussion of intangible drilling and development costs will begin with another general principle, that deductions for expenses can be taken only by the party who actually paid or incurred. There are no provisions in the tax laws whereby one taxpayer can deduct from his gross income expenses incurred and defrayed by another". Trata-se de princípio basilar. O carregador tem a depreciação, não o carregado.
No Brasil, onde as associações de empresas se dão através de consórcios, desenvolveu-se um hábito de interpretar que, se alguém tem X percentual de um consórcio, este mesmo X se refere a participação em custos e resultados ou produtos. Ledo engano. A leitura atenta do artigo 279 da Lei 6.404 deixa claro que tais obrigações e direitos não são necessariamente coincidentes, pois tratam de disposições específicas e necessárias ao consórcio, porém, independentes entre si:
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I - a designação do consórcio se houver;
II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III - a duração, endereço e foro;
IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.
Onde está escrito no dispositivo que a contribuição X% em custos deve corresponder em X% da produção, resultado ou partilha? A leitura do dispositivo deixa evidente que as partes podem ter contribuições em percentuais distintos de seus percentuais em produtos partilhado ou resultados, pois simplesmente não proibido ou determinado de modo diverso. Sendo assim, o ajuste do carrego do farm-in-out, refletido posteriormente no consórcio, reflete o ajuste sobre a apropriação da produção, na exata forma em que permitido no art. 279 da Lei 6.404, não autorizando qualquer presunção de que o valor prestado pelo carregador seja pagamento ao(s) carregado(s), sub-rogação ou aquisição de bem para terceiro. Trata-se, como dizem os americanos, de um sharing arrangement – um arranjo de compartilhamento da produção, mediante contribuição diferenciada entre os membros da joint venture. Ponto.
Para tanto, vale a analogia da senha para jogar da Mega-Sena da Virada, aquela que paga milhões em prêmios no dia 31 de dezembro de cada ano. Imagine que alguém é o último da fila, quando, terminando o horário de funcionamento das lotéricas, são admitidas senhas para os que encontravam aguardando, de modo a que podem ingressar na loja (já fechada) para efetuarem suas apostas. Este alguém possui 10 reais para jogar em único número, mas um outro, atrasado e que perdeu o horário no último minuto, teve um sonho importante com 07 outros números e gostaria de apostar 100.000,00 reais naquela noite. A sua única maneira de participar do sorteio (chance de ter a chance) e é se valer deste primeiro alguém que estava na fila e obteve a senha para jogar. Ele propõe a este da fila que use os seus 100.000,00 reais e, em caso, de sucesso, este que estava na fila fara jus a metade do prêmio.
Neste exemplo se pode inferir o seguinte: o dinheiro não é destinado a quem estava na fila. Quem estava na fila nada faz além de permitir ao atrasado compartilhar do seu direito de concorrer ao prêmio, mediante aposta. Não se tratou de empréstimo, nem de doação. Quando muito, agiu o primeiro da fila como comissário e o retardatário como comitente, o primeiro atuando em nome próprio em benefício do terceiro (mediante comissão). Não há ganho do carregado quando o carregador investe na operação, nem dívida daquele para com este caso a aposta resulte em insucesso.
Pensar em carrego como ganho de capital é irresponsável e irracional voracidade arrecadatória, guiada por visões comuns, inapropriadas para o caso e extremamente nocivas ao desenvolvimento da política fiscal de atrair investimentos ao país, desonerando o investimento do risco, para tributar os seus (vultosos) resultados.
Sobre o autor: Ivan Tauil é sócio fundador e líder da prática de direito tributário do Tauil & Chequer Advogados no escritório do Rio de Janeiro. Possui experiência em tributação local e internacional. É autor de diversos artigos e conferencista em eventos jurídicos e empresariais realizados no Brasil e no exterior. Ivan é mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-RJ, e é também presidente da Comissão Nacional de Petróleo e Combustíveis da OAB, diretor da Academia Brasileira de Direito Tributário, membro da ABDF – Associação Brasileira de Direito Financeiro, da International Fiscal Association e da International Bar Association, além de membro do Conselho Editorial da Revista Tributária e de Finanças Públicas – Ed. Revista dos Tribunais. Em 2016, tanto a Global Chambers quanto a Chambers Latin America o reconheceram como um dos “Leaders in their Field” pelo trabalho jurídico no setor tributário.
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