Redação TN Petróleo/Assessoria 77Sol
A crescente relevância do termo curtailment no debate sobre energia no Brasil revela um paradoxo incômodo: o país avança na produção de energia limpa, mas ainda encontra dificuldades em aproveitá-la plenamente. O conceito, que se refere à redução forçada da geração elétrica quando há excesso de oferta ou limitação na capacidade da rede de escoamento, tem gerado distorções na interpretação de suas causas e consequências.
Na prática, o curtailment ocorre quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) identifica a necessidade de reduzir a geração em determinados pontos da rede para preservar a estabilidade do sistema. Isso afeta principalmente usinas conectadas às transmissoras em regiões onde a produção supera a demanda local — como é o caso do Nordeste, líder em geração solar e eólica. Em dezembro de 2024, os cortes na geração solar atingiram 8,2%, segundo levantamento da consultoria ePowerBay, apontando para um cenário em que a energia disponível não encontra caminho para ser distribuída de forma eficiente.
No entanto, é equivocada a tentativa de responsabilizar a geração distribuída, especialmente os sistemas de micro e minigeração, por esse fenômeno. Por estarem ligados diretamente às distribuidoras e atenderem consumidores locais, esses sistemas não enfrentam os mesmos desafios de escoamento e, por isso, não estão sujeitos aos mesmos mecanismos de controle.
O que se observa é uma disfunção mais ampla: a expansão das fontes renováveis no Brasil — que alcançaram 93% da matriz elétrica em 2023 — não foi acompanhada pela necessária modernização da infraestrutura de transmissão. O resultado é um sistema que opera no limite, incapaz de absorver a energia que já somos capazes de produzir. A falta de planejamento, somada a entraves regulatórios, expõe gargalos estruturais que vão além da questão técnica.
A solução para o curtailment não está em restringir o avanço da geração descentralizada, mas em requalificar o sistema elétrico como um todo. Isso inclui investimentos em redes inteligentes, adoção de tecnologias de armazenamento, digitalização da operação e novas formas de controle da demanda. São iniciativas que, se implementadas de forma coordenada, podem reduzir desperdícios, aumentar a segurança energética e fortalecer o papel do Brasil como referência em energia limpa.
Vale lembrar que o setor elétrico brasileiro é altamente regulado, e decisões normativas podem afetar diretamente a viabilidade de investimentos, inclusive na geração distribuída. Por isso, é fundamental que as discussões sobre o futuro da energia estejam baseadas em dados, e não em premissas imprecisas ou disputas entre modelos de negócio.
O curtailment é sintoma de um sistema em transição, que precisa evoluir para acompanhar a própria capacidade de geração que ajudamos a construir. Se interpretado corretamente, pode ser um sinal de que é hora de priorizar a eficiência e a integração sistêmica, apoiando o desenvolvimento de soluções que visam contribuir para democratizar o acesso à energia limpa no país.
Sobre o autor: Lucas Genoso é CFO Da 77Sol, maior e mais completo ecossistema de energia solar brasileiro
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